Entrevista Completa com o Dr. Sílvia Dotta e Francyne Elias-Piera - Parcialmente publicada na CARBON Team News vol.5 (2023)

A CARBON Team News (CTNews) bateu um papo com duas estrelas da divulgação das ciências polares no Brasil: a Dra. Silvia Dotta (à esquerda na foto abaixo), fundadora do projeto InterAntar, e a Dra. Francyne Elias-Piera (à direita na foto abaixo), fundadora e CEO do Gelo na Bagagem. Venha conhecer melhor nossas estrelas e saber a opinião delas sobre diversos assuntos relacionados à divulgação das ciências polares.

Silvia Dotta (SD), Comunicóloga e Doutora em Educação, é Professora Associada da A Universidade Federal do ABC (UFABC). Em 2013 ela concebeu, fundou e, desde então, coordena o InterAntar, um programa de mediação das ciências polares. Conheça mais sobre o InterAntar no site www.interantar.com.

CTNews: Como surgiu seu interesse pela divulgação científica voltada para a Antártica e o projeto Interantar?

SD: Meu interesse pela divulgação da ciência Antártica surgiu a partir de uma visita que eu fiz, como turista, em 2004. Essa experiência foi tão incrível que eu achei que conhecer a Antártica e entender o que ela é e o seu impacto no nosso planeta, suas influências para o planeta, é um direito de todos. Então, eu decidi juntar o conhecimento que eu tenho na área de tecnologia educacional, para a divulgação das ciências polares e fundei Interantar.

CTNews: Qual a importância da divulgação científica das ciências marinhas e polares para a ciência e para a sociedade? 

SD: Como vocês sabem, e as pessoas em geral deveriam saber, a nossa vida na Terra é regulada pelo oceano e pelas regiões polares. Isso significa que a preservação, tanto do oceano, quanto das regiões polares, é crucial para a sobrevivência da nossa espécie e de muitas outras espécies. Portanto, é urgente que as pessoas saibam sobre isso e compreendam as relações do oceano e das regiões polares com o planeta.

CTNews: De acordo com a sua vivência em projetos de divulgação científica, quais mecanismos são mais efetivos para alcançar a sociedade nas questões ambientais relacionadas aos oceanos e ao clima? Quais estratégias você utiliza para tornar a ciência mais acessível e compreensível para o público em geral?

SD: Bom, é muito difícil falar sobre quais são os mecanismos mais eficazes porque isso sempre vai depender do público a quem nos dirigimos. Então, é muito importante que a gente tenha uma boa definição do nosso público antes de criar estratégias de comunicação para dirigir a comunicação da ciência para esse determinado público. No nosso caso, nós iniciamos o trabalho nos dirigindo a professores, por duas razões. A primeira é porque os professores são multiplicadores. Então, cada professor com quem eu falo, na verdade eu estou falando com pelo menos 30 ou 40 alunos. Ou seja, eles são importantes multiplicadores de conhecimento. A segunda razão é que há muitos anos eu já tenho um trabalho de lidar com esse público, relacionado às tecnologias educacionais, então é um público com quem eu já sabia me comunicar, já entendia os seus desafios no seu trabalho e isso facilitou a minha comunicação com eles. Portanto, a primeira coisa importante é entender o público para, então, poder criar as estratégias de comunicação.

CTNews: Quais os maiores desafios que os divulgadores da ciência e, em especial as ciências polares, enfrentam?

SD: Eu acho que o principal desafio da divulgação científica é conseguir chegar em públicos que não são entusiastas da ciência, porque quando nós fazemos comunicação da ciência, criamos um grupo de seguidores, dos nossos projetos. E em geral, esse grupo é formado por entusiastas ou por educadores que precisam de materiais para levar o tema para a sala de aula. Mas o nosso grande desafio é sair dessa bolha e atingir pessoas que comumente não estariam interessadas em ciência. Então, atingir pessoas que não sabem, não entendem ou não estão preocupadas com o oceano e as regiões polares. Acho que esse é o principal desafio. E uma coisa importante que temos aprendido é que não é necessariamente a escolaridade que vai garantir que as pessoas tenham interesse pela ciência em geral ou pelas ciências polares e oceânicas. Às vezes, o nosso desafio é fazer com que as pessoas de qualquer escolaridade possam perceber a importância dessas ciências… esse é o desafio!

CTNews: E o que você acha que ajudaria na difusão do conhecimento científico e polar para a sociedade em geral e para seu engajamento nessas questões? 

SD: Para o engajamento da sociedade eu acho que a gente precisa criar projetos que promovam a participação pública na ciência. Isso é uma coisa que nós fazemos aqui e que tem tido um alcance interessante, porque quando a pessoa participa do processo de divulgação da ciência, ela se sente pertencente a um determinado grupo. Ela se sente pertencente porque ela pode ser autora de um projeto, de um conteúdo ou de um post de internet. Portanto, promover esse tipo de comunicação pública da ciência, que inclua as pessoas no processo de divulgação, é uma saída bastante interessante. Uma outra coisa que a gente faz é a produção de materiais transmídia, porque, de alguma forma, a gente usa o mesmo esforço para produzir várias mídias e várias linguagens. Porque é muito caro produzir conteúdo para divulgação. Por exemplo, às vezes você produz alguma coisa para publicar em uma mídia social e isso será lido em dez segundos, mas você gastou três pessoas, trabalhando dez horas para produzir o conteúdo. O que a gente tem feito é um sistema transmidiático. Isso significa que eu produzo um conteúdo para um vídeo e esse mesmo conteúdo é utilizado em um livro e adaptado para ser publicado em na mídia social. Isso faz com que a gente torne a produção mais barata, mas o mais importante é estar em vários lugares, atingindo diferentes públicos. Ou seja, é a repetição e a onipresença nas mídias, sejam sociais ou de outros tipos.

CTNews: Quais são os principais tópicos de pesquisa que você acredita que o público em geral deveria conhecer sobre a Antártica?

SD: Bom, eu acho que todos os tópicos que o Brasil pesquisa na Antártica são fascinantes. Eu acho que um muito importante é o gelo, porque o público brasileiro, em geral, não conhece o gelo para além daquilo que tem no seu freezer em casa. No entanto, o gelo na Antártica é responsável pelo resfriamento do planeta e interfere diretamente no clima global. Além disso, eu acho que as ciências atmosféricas, a glaciologia, a biologia, entender a questão da produção de nutrientes no Oceano Austral, a migração de alguns animais que vêm do Oceano Austral para os trópicos, que cruzam o equador e muitas vezes e chegam até o Ártico. Entender essa movimentação também é importante, então acho que toda a ciência brasileira que é produzida na Antártica deve ser de interesse dos brasileiros. Isso porque é uma ciência de ponta, nós temos cientistas de primeira linha trabalhando na Antártica, somos reconhecidos internacionalmente e precisamos ser reconhecidos também aqui no Brasil.

CTNews: Quais são as descobertas científicas mais surpreendentes ou intrigantes que você já fez sobre a Antártica e como essas descobertas afetam nossa compreensão do mundo?

SD: Eu entendo que todas as pesquisas brasileiras têm causado impacto importante na ciência e contribuído muito para o desenvolvimento da ciência. As pesquisas na área da atmosfera e do clima estão em voga, devido à necessidade de compreendermos as mudanças climáticas e como mitigá-las. A Antártica é um laboratório vivo, um lugar onde primeiramente as mudanças climáticas são sentidas. Então, eu acho que as pesquisas nessa área estão com os holofotes voltados para ela e o Brasil tem contribuído muito para a ciência global.

CTNews: Pode nos contar sobre algum projeto de pesquisa específico na Antártica que tenha impactado positivamente as políticas de conservação ambiental? Qual o impacto dos projetos de divulgação da ciência na Antártica sobre as políticas de conservação ambiental?

SD: Eu não saberia dizer se o nosso trabalho de divulgação científica tem um impacto direto em políticas de conservação ambiental. O que o nosso trabalho tem feito, inicialmente, é buscar influenciar as pessoas para a compreender a importância da conservação. Se a sociedade estiver preocupada com isso, então no futuro a própria sociedade terá alguma influência nas políticas de conservação ambiental. É importante saber que em 2048 está previsto uma rediscussão do protocolo de Madrid, que é o protocolo de conservação da Antártica, o Tratado da Antártica. Esse protocolo será rediscutido, provavelmente, e o Brasil é um membro consultivo e que vai participar dessas discussões. Portanto, a sociedade precisa estar bem-informada para poder atuar politicamente em busca dos interesses que o Brasil tem na soberania da ciência e na preservação ambiental. Ainda falando sobre a questão da conservação, o Brasil é um país fortemente influenciado pelas interações entre o oceano e a atmosfera que ocorrem no Oceano Austral. Então, isso tem influência direta em nossa agricultura, nossa agropecuária, nosso regime de chuvas etc. Esse tipo de informação é importante para a sociedade no geral e, para o Brasil, a soberania científica no continente antártico é fundamental e esse é o nosso interesse na Antártica. Quando a gente pensa em conservação ambiental, pensamos também em ação e participação científica e política do Brasil nas decisões sobre o futuro do planeta.

CTNews: Pode compartilhar alguma história emocionante ou curiosa de suas experiências pessoais na Antártica que ilustre a beleza e a complexidade desse ambiente?

SD: Bom, estar na Antártica, por si só, já é emocionante. Ouvir o silêncio, ouvir os animais, sentir o vento, sentir o seco, sentir os sons. Tudo isso é emocionante! É difícil selecionar uma experiência. A experiência de um olho de baleia perto do seu olho ou de um pinguim subindo na sua mochila, apesar de a gente não poder se aproximar deles, eles se aproximam da gente. Tudo isso é emocionante. Tomar água do degelo de um iceberg, lamber um iceberg... Enfim, são várias experiências indescritíveis. Mas eu acho que para divulgação da ciência, uma coisa que nós tivemos oportunidade de fazer no início de 2014, quando fundamos o Interantar, foi a primeira live do continente antártico para o Brasil. Isso não teve preço. Primeiro, porque ninguém ouvia falar sobre live, então a gente fez uma conexão de uma cientista na Antártica, que foi a doutora Fran, e fizemos essa conexão diretamente com o nosso laboratório. Foi uma experiência incrível, que nada funcionou, mas que nós entendemos que precisávamos desenvolver muita tecnologia ainda. Hoje, no pós-pandemia, ou mesmo durante a pandemia, com a inauguração da nova estação brasileira, a gente já tem uma boa conexão com a internet e fazemos lives com estação. Muitas delas estão no nosso canal de vídeos e podem ser acompanhadas. Mas o fato de termos sido pioneiras nisso foi muito importante para nós. Para o nosso aprendizado e para o desenvolvimento do nosso projeto.

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Francyne Elias-Piera, conhecida carinhosamente como Dra. Fran, é bióloga e pesquisadora antártica com uma paixão incansável pela exploração e preservação das regiões polares do nosso planeta. Ela tem mais de duas décadas de experiência dedicadas ao estudo da Ecologia da Antártica, principalmente sobre a distribuição e ecologia de comunidades bentônicas antárticas, a ecologia trófica e o acoplamento bento-pelágico. Com uma sólida formação acadêmica, Dra. Fran é Doutora em Ciência e Tecnologia Ambientais pela Universitat Autònoma de Barcelona, Mestre em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo e possui uma Especialização em Biologia Molecular Humana Animal e Vegetal pela Universidade São Judas Tadeu. Sua jornada acadêmica começou com a graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além disso, ela completou um MBA em Gestão Estratégica de ESG pela Universidade São Judas Tadeu, consolidando sua expertise em sustentabilidade e responsabilidade corporativa.

Dra. Fran é CEO da Dra. Fran Piera Consultoria e Palestras e é fundadora e presidente do Instituto Gelo na Bagagem, uma ONG dedicada à educação ambiental e à pesquisa na região Antártica. Ela lidera iniciativas para capacitar indivíduos de todas as idades a se tornarem defensores responsáveis do nosso planeta. Ao longo de duas décadas, Dra. Fran participou de cinco expedições à Antártica em parceria com o Brasil e a Coréia, onde ficou nas Estações de Pesquisa e embarcou em Navios Polares, sendo a única latina a trabalhar no Instituto de Pesquisa Polar Coreano (KOPRI) por dois anos. Além de suas realizações acadêmicas, Dra. Fran é uma palestrante inspiradora e mentora, especialmente focada em apoiar meninas e mulheres interessadas em seguir carreiras científicas. Ministra palestras sobre sustentabilidade, mudanças climáticas, oceano e empoderamento feminino em escolas, universidades e empresas, tendo a Antártica sempre como tema central. Seus esforços se estendem além das palestras, incluindo a criação do programa de mentoria "EVA: Exploradoras Valentes da Antártica", que visa desenvolver habilidades essenciais para jovens pesquisadoras. E para quem quer se aprofundar ainda mais no tema Antártico, a Dra. Fran oferece o curso “Explorando as maravilhas da Antártica”. Combinando sua paixão pela ciência com uma abordagem acessível e divertida, Dra. Fran também é uma youtuber, compartilhando as maravilhas da Antártica através das redes sociais.

CTNews: Como surgiu seu interesse pela divulgação científica voltada para a Antártica e o projeto Gelo na bagagem?

DF: Desde a primeira visita à Antártica, em 2003, eu queria compartilhar tudo sobre o lugar magnífico que eu havia conhecido. Enquanto ainda estava no mestrado, as pessoas frequentemente questionavam a importância da minha pesquisa e o porquê de eu ir tão longe pesquisar o oceano se em São Paulo, e no Brasil, temos praia também. Foi então que comecei a ministrar palestras em escolas para ensinar sobre a importância do Oceano Austral. Em 2010, entrei para APECS (Association of Polar Early Career Scientists), uma associação com o objetivo de criar conexões entre os jovens pesquisadores polares e divulgar as pesquisas polares. Participei da APECS Internacional, APECS Espanha e sou membro fundadora da APECS Brasil desde 2013. Meu último cargo na APECS Brasil foi como Coordenadora Científica de 2019 a 2021. Na APECS aprendi mais sobre divulgação científica no Brasil e no mundo. Em 2017, quando estava trabalhando na Coreia e fui para a Antártica com os coreanos, recebi muitas perguntas sobre a viagem, sobre a pesquisa na Coreia. Foi quando tentei fazer meu primeiro vídeo, porém, não ficou nada atrativo para o Youtube. Aproveitei para fazer muitos filmes e fotos na Estação Coreana e no Navio Quebra-Gelo. Quando voltei ao Brasil, em 2019, aprendi como fazer roteiro, como falar com as pessoas não-cientistas, treinei muito minha fala com as câmeras e assim surgiu o Canal e o Instagram “Gelo na Bagagem”. Com o tempo, minhas palestras em escolas e universidades ganharam mais visibilidade, levando ao crescimento do projeto. Hoje em dia o trabalho se expandiu e o projeto se tornou uma ONG, o Instituto Gelo na Bagagem.

CTNews: Qual a importância da divulgação científica das ciências marinhas e polares para a ciência e para a sociedade?

DF: A divulgação científica das ciências marinhas e polares é essencial para a ciência e para a sociedade por várias razões. Ela amplia a compreensão pública sobre os ecossistemas marinhos e polares, que são fundamentais para a saúde do nosso planeta. Ao educar as pessoas sobre essas regiões, criamos uma consciência coletiva sobre a importância da preservação desses ambientes únicos. Além disso, a divulgação científica ajuda a disseminar os resultados das pesquisas para um público mais amplo, incluindo formadores de políticas e tomadores de decisão. Isso pode levar a políticas com ações concretas para a proteção dos oceanos e das regiões polares, que são especialmente vulneráveis às mudanças climáticas e à atividade humana. A divulgação científica inspira a próxima geração de cientistas, incentivando jovens a seguir carreiras científicas, garantindo, assim, a continuidade das pesquisas e a proteção desses ecossistemas. Tornar a ciência mais acessível e compreensível para o público em geral faz com que as pessoas fiquem mais propensas a apoiar iniciativas de conservação e a adotar comportamentos sustentáveis, pois entendem a importância direta dessas ações para o meio ambiente e para o nosso próprio bem-estar.

CTNews: De acordo com a sua vivência em projetos de divulgação científica, quais mecanismos são mais efetivos para alcançar a sociedade nas questões ambientais relacionadas aos oceanos e ao clima? Quais estratégias você utiliza para tornar a ciência mais acessível e compreensível para o público em geral?

DF: Com base na minha experiência em projetos de divulgação científica, os melhores mecanismos são a acessibilidade e a conexão emocional. É fundamental falar a linguagem do público, evitando jargões científicos e utilizar exemplos do cotidiano para explicar conceitos científicos. A analogia e a narrativa são ferramentas poderosas. Além disso, gráficos, vídeos e imagens podem transformar dados abstratos em informações claras e impactantes. As pessoas tendem a absorver informações de forma mais eficaz quando podem ver, ouvir e interagir com o conteúdo. Outra estratégia é criar conexões emocionais. Ao compartilhar histórias pessoais e experiências reais, podemos despertar empatia e compaixão nas pessoas. Relatos de cientistas em campo, enfrentando desafios e celebrando descobertas, humanizam a ciência e tornam-na mais próxima do público. O uso das redes sociais e plataformas digitais também é essencial nos dias de hoje. Elas proporcionam uma maneira dinâmica de alcançar um público diversificado.  A colaboração é outra estratégia importante. Parcerias com escolas, organizações locais e empresas podem ampliar o alcance das mensagens sobre questões ambientais. Trabalhar em conjunto com outras vozes comprometidas aumenta a credibilidade e a eficácia das iniciativas de divulgação científica.

CTNews: Quais os maiores desafios que os divulgadores da ciência e, em especial as ciências polares, enfrentam? E o que você acha que ajudaria na difusão do conhecimento científico e polar para a sociedade em geral e para seu engajamento nessas questões?

DF: Um dos maiores desafios é a complexidade do tema. As ciências polares muitas vezes envolvem conceitos altamente técnicos e processos naturais desconhecidos, principalmente para os brasileiros, o que pode ser difícil de simplificar para um público leigo. Além disso, há o desafio da distância geográfica. As regiões polares estão frequentemente localizadas em áreas remotas e inacessíveis, o que dificulta a conexão direta do público com esses ambientes e, por extensão, com as questões que afetam essas regiões. As mudanças climáticas, que é um tema central nas ciências polares, também pode ser desafiadora de comunicar. Embora seja uma das questões mais urgentes do nosso tempo, a mudança climática é um fenômeno gradual e complexo, o que dificulta a compreensão do público. Para superar esses desafios, é essencial investir em programas educacionais desde as escolas, utilizando currículos interativos e atividades práticas. A inclusão da ciência polar na educação não-formal e informal também é importante para que todos conheçam a Antártica. Ao mostrar como as mudanças nas regiões polares afetam o clima global, a vida marinha e, por fim, todas as pessoas, podemos tornar essas questões mais relevantes e pessoais para o público em geral. A colaboração é outra chave importante. Parcerias entre cientistas, educadores, organizações sem fins lucrativos e o setor privado podem criar iniciativas de divulgação mais abrangentes e impactantes. Juntos, podemos criar conteúdo que seja tanto educativo quanto envolvente, usando tecnologias modernas para criar experiências interativas e imersivas. Além disso, a divulgação científica deve ser contínua e consistente. A ciência está em constante evolução e é importante manter o público atualizado sobre as últimas descobertas e desenvolvimentos. É por isso que uso as redes sociais do “Gelo na Bagagem” para esse fim.

CTNews: Quais são os principais tópicos de pesquisa que você acredita que o público em geral deveria conhecer sobre a Antártica?

DF: Mudanças Climáticas: A Antártica é um indicador crítico das mudanças climáticas globais. O público precisa entender como as mudanças de temperatura e o derretimento do gelo na Antártica afetam o clima em todo o mundo. Afinal, não estamos tão longe da Antártica quanto as pessoas pensam.

Biodiversidade Única: A Antártica abriga uma biodiversidade única, tanto na terra quanto nos oceanos circundantes. Compreender essas adaptações incríveis à vida polar pode iluminar nossa compreensão da biologia e da evolução.

Ecossistemas Marinhos: Os ecossistemas marinhos antárticos são excepcionais, com organismos adaptados a águas geladas. Esses ecossistemas são vitais para a saúde dos oceanos globais e são fundamentais para a teia alimentar marinha, principalmente o ecossistema bentônico, que é essencial para esta teia e muitas vezes é esquecido até mesmo pelos pesquisadores.

Pesquisa Científica: A Antártica é um laboratório vivo para uma variedade de estudos científicos, desde astrofísica até pesquisa sobre os efeitos do isolamento extremo nos seres humanos. Compreender essas pesquisas pode inspirar inovações científicas em outras partes do mundo, além de trazer conhecimento para a sociedade da importância do que fazemos por lá.

Conservação e Sustentabilidade: A Antártica é um dos últimos lugares quase intocados na Terra. A gestão adequada desses ambientes delicados é crucial para a conservação global e para garantir que as futuras gerações possam aprender e se beneficiar das riquezas científicas e naturais do continente.

Cultura e História: Além da ciência, a Antártica tem uma rica história de exploração. Conhecer as histórias de exploradores antárticos passados e presentes pode inspirar um profundo respeito pelo espírito humano de descoberta e exploração. Principalmente a história das mulheres pioneiras, exploradoras e pesquisadoras, que assim, servem de exemplo para jovens pesquisadoras.

Impacto Humano e Político: Compreender as políticas internacionais que regem a Antártica e os desafios éticos em torno da exploração e da preservação é vital. O público deve estar ciente do papel da diplomacia e da colaboração global nessas regiões. Além disso, saber sobre geopolítica Antártica traz liberdade de decisão para a população poder decidir sobre um ambiente que é o coração do mundo.

CTNews: Quais são as descobertas científicas mais surpreendentes ou intrigantes que você já fez sobre a Antártica e como essas descobertas afetam nossa compreensão do mundo?

DF: Ainda não fiz uma descoberta tão surpreendente ou intrigante! Porém, uma das mais empolgantes, na época que eu havia acabado de entrar no mestrado, foi a identificação de uma nova espécie de Amphipoda. No meu doutorado também descobri que os organismos bentônicos existem na Antártica durante o ano todo e que eles se alimentam de um “tapete verde” que se forma no sedimento do fundo no começo do verão. Esse tapete servirá de comida para eles até o final do inverno. Também no doutorado, e que foi comprovado no pós-doutorado na Coreia, foi que o degelo de glaciares e plataformas permanentes estão afetando e modificando toda a estrutura das comunidades bentônicas da Antártica. 

CTNews: Pode nos contar sobre algum projeto de pesquisa específico na Antártica que tenha impactado positivamente as políticas de conservação ambiental? Qual o impacto dos projetos de divulgação da ciência na Antártica sobre as políticas de conservação ambiental?

DF: Não tenho um projeto específico para pontuar, mas diversos projetos que estudam as comunidades de Krill alertaram para que fossem criadas áreas marinhas protegidas nos mares que circundam a Antártica. Além disso, estudos diversos sobre a biodiversidade marinha e os efeitos das mudanças climáticas nas comunidades bentônicas revelam não apenas a rica diversidade de vida nas águas antárticas, mas também os efeitos alarmantes das mudanças climáticas sobre esses ecossistemas delicados e que possuem um papel essencial na estrutura global do oceano. Quanto aos projetos de divulgação científica, eles desempenham um papel vital nas políticas de conservação ambiental. Ao compartilhar nossas descobertas e experiências de pesquisa com o público em geral, criamos uma consciência pública sobre a importância da conservação na Antártica e inspiramos ações. Essa conscientização pode traduzir-se em pressão pública sobre os governos para tomar medidas mais rigorosas para proteger essas áreas preciosas. A divulgação científica também educa os legisladores e os formadores de políticas, fornecendo-lhes informações cientificamente embasadas para tomar decisões informadas.

CTNews: Como a tecnologia tem ajudado os cientistas a avançar em suas pesquisas na Antártica e à divulgação do conhecimento nos últimos anos?

DF: Em termos de pesquisa, tecnologias avançadas de sensoriamento remoto, como satélites e drones, revolucionaram nossa capacidade de coletar dados em regiões remotas e inacessíveis. Podemos monitorar mudanças no gelo, observar padrões climáticos e estudar a vida marinha a partir de uma perspectiva aérea. No campo da oceanografia, principalmente para estudar as comunidades bentônicas, os ROVs são essenciais. Esses dispositivos podem mergulhar a grandes profundidades e coletar dados em tempo real sobre temperatura, salinidade e vida marinha, fornecendo uma compreensão mais detalhada e dinâmica dos ecossistemas antárticos. Além disso, a tecnologia melhorou nossa capacidade de compartilhar essas descobertas. As redes sociais e plataformas de mídia digital permitem que os cientistas comuniquem suas pesquisas para o público em tempo real. Vídeos em alta definição, transmissões ao vivo e documentários interativos proporcionam uma visão envolvente do trabalho na Antártica, conectando as pessoas com essa região de uma maneira que era impensável ainda em 2014, quando tentei fazer uma conexão remota (a primeira tentativa de live) do navio para a Silvia Dotta, da UFABC. Os podcasts e webinars também se tornaram ferramentas valiosas para a divulgação científica. Eles permitem que especialistas compartilhem suas descobertas com um público global, alcançando pessoas que, de outra forma, não teriam acesso a essa informação.

CTNews: Pode compartilhar alguma história emocionante ou curiosa de suas experiências pessoais na Antártica que ilustre a beleza e a complexidade desse ambiente?

DF: Me lembro exatamente de uma ocasião quando avistamos uma foca leopardo nadando nas águas geladas enquanto esperávamos os mergulhadores fazerem coletas embaixo da água. Foi necessário tocar um sino subaquático para alertar os mergulhadores o mais rápido possível. Foi um lembrete claro de que, na Antártica, somos visitantes, e são os residentes naturais, como as focas leopardo, que verdadeiramente comandam esse ambiente. Na realidade, na Antártica a natureza é quem manda. A complexidade e a imprevisibilidade tornam este lugar tão único. Cada momento na Antártica é uma recordação de nossa interdependência com a natureza e da necessidade de proteger esses ambientes preciosos. Além disso, em todas as cinco vezes que visitei aquele ambiente eu chorei! Chorei ao ver tanta beleza inexplicável. Chorei para agradecer a oportunidade de poder estar ali mais uma vez e saber que sou tão pequena!

Ficou interessado pelo InterAntar e pelo Gelo na Bagagem? Veja mais sobre os projetos nos sites:

InterAntar: www.interantar.com

Gelo na Bagagem: www.gelonabagagem.com